A Possibilidade do Radical
Rui Mendonça
1.
Viver uma só vida não me chega. Por isso, vivo dezenas de outras, dentro da minha. Não são vidas completas, mas imagino-as como tal. Com a vantagem de não carregar os seus remorsos nos meus sonhos. É este o fascínio do teatro: comprimir o mundo e a humanidade numa actriz e um palco. Mas nestes dias em que o céu comprime o ar que respiro, confesso que só me apetece saltar a cerca e dançar com a loucura.
2.
Viver uma vida inteira é demasiado. Por isso, fracciono-a em partes. Tal como o sono à noite. Entrecorto-o em pequenos sketches, para nunca chegarem a pesadelo. É este o fascínio do teatro, conseguir dosear os perigos vívidos, diurnos e nocturnos. Mas nestes dias em que o céu comprime, ao ponto de me faltar o ar na cabeça, confesso que só me apetece saltar a cerca e testar quão dura é a minha cornadura.
3.
Viver uma vida chega perfeitamente. Desde que não te excedas nem a desperdices. A vida é uma aventura e o teatro são outras quinhentas. E outros quinhentos. Mas nestes dias em que o teatro comprime o ar e sufoca-me em cena, confesso que só me apetece saltar a cerca, inspirar o céu e expirar-me mundo fora.