Em casa
A complexidade e a diversidade parecem ter-se tornado mais evidentes aos nossos olhos.
Muitos permanecem em casa.
As casas são todas diferentes, bem como os lugares onde elas se situam e o que as suas janelas nos dão a ver.
Uns em teletrabalho outros sem poderem fazê-lo, por motivos variados.
Uns em família e outros sozinhos. Uns a terem de lidar com a ausência daqueles que amam. Outros sem tempo e espaço para si.
Uns felizes com um tempo que nunca tiveram. Outros em pânico com o tempo que agora têm para estar consigo.
Uns mantém o seu salário, por enquanto. Outros vêem o seu salário diminuir. Outros, ainda, não sabem como vão pagar a casa e comer, porque são precários ou foram despedidos.
Igual para todos, ainda que em doses diferentes – a indefinição, a imprevisibilidade e a consciência de que a realidade supera a ficção e a nossa capacidade de imaginar.
Nada disto é novo. Novo talvez seja, para algumas das gerações que agora vivem, a intensidade e a dimensão do que estamos a viver.
À semelhança do costume, a mesma condição para quase todos – ficar em casa – não significa o mesmo para cada um.
O que pode a arte em momentos assim? Talvez muito pouco, mas todos os poucos valem agora muito.
Neste nosso caderno vamos sublinhar perspectivas, não porque estejamos distraídos de outras, mas porque desejamos, temos esperança, que à custa da repetição alguma coisa se entranhe em nós.
Desejamos abrandar. Fazer menos e fazer melhor. Estar. Escutar. Estar connosco e com os outros, com “um relógio esquecido em qualquer fundo de algibeira”.
Fazemos caminho, insistindo, para que o futuro se construa aqui e agora e a esperança não seja uma forma de adiar o presente.
Que possamos ir mais devagar, parar, ficar em silêncio.
Que possamos fazer escolhas.
Que voltemos a estar juntos, que cantemos e dancemos e possamos ir ao teatro e voltar a abraçar-nos.